The Bird.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Sobre Almas e Suas Verdades




Ai, ai! Mas as cousas mudam quando o coração está cheio. 

Era assim mesmo, patético: a verdade crua se misturava com a resplandecente covardia, aquela que ninguém tentava entender; eu nunca, nunca encarava diretamente olhar nenhum. Era como abrir um presente inesperado, com laços chamativos e embrulhos coloridos. Havia sempre um pacote dentro do outro, de outro, de outros e de tantos outros: pacotes vazios que nunca terminavam. O presente era sempre o último, tão pequenino... Enquanto alguns olhares eram de fato rasos, tão rasos e simplórios que beiravam a feiúra – como presentes que apareciam ao abrir do primeiro embrulho. Eu jamais gostei de olhares assim; no fim, tão parecidos com o meu. Outros (e evidentemente mais dignos que os primeiros) eram puramente reflexivos. Fitá-los era como me observar em minhas mais diversas formas – eu em seus olhos, que enxergavam somente a mim e a mais ninguém. Mas os piores, aqueles que realmente me amedrontavam, eram os poéticos, os que permitiam ser observados minuciosamente, tão fundo que eu poderia facilmente resgatar pedacinhos de suas almas – aqueles presentes só encontrados depois de muito, muito tempo. Seus desejos mais caros (que ninguém mais poderia conceber, que não eu), seus traumas doloridos e devaneios uma vez esquecidos... O que eu sentia, e sempre senti, era o medo de almas e suas verdades, segredos intrínsecos que não me pertenciam – eu os furtava todos em apenas um olhar. E então passava a senti-los como se fizessem parte de mim. E talvez de fato fosse assim mesmo. Afinal, não se pode esperar muito de uma ladra de almas (e é por isso que eu não olho, nunca). Meu mundinho de preto e branco não suporta o colorido de olhos que não sejam os meus.

sábado, 10 de março de 2012

Amo(rosa).


Teceu-se em minúcia e desfez-se em prosa
D’um mistério denso ao acalentar da bruma
Com esmero tem-se oculta a Rosa
Em nuca pintada, perdeu-se em espuma!...
Beleza em flor formou-se Florbela
Cuja maciez dos lábios em pétala se resumiu
Olhos de Poeta a metrificar a aquarela
O nome da Rosa, um suspiro e sumiu!...


sexta-feira, 9 de março de 2012

Ensaio Sobre Um Jardim.

O canto de um pássaro do Leste. O sopro do vento que se aproxima silenciosamente, para só então atropelar o pássaro em sua canção. Seu rufar entorpece a vegetação ainda banhada pelo orvalho, e agora ambos, petit voador anil e ar tempestuoso esboçam numa aurora enevoada um sol, um lá, e outro sol mais adiante, até que o próprio Sol abra seus olhos para a valsa das flores. Vagarosamente suas pálpebras douradas se movimentam, seus cílios enormes escorrendo sob um abrir e fechar de olhos tais quais asas de uma borboleta. Espreguiça-se, manhoso, e um calor morno gradualmente aquece os campos e florestas. Uma porta se abre despretensiosamente – posso ouvir seu ranger prolongado e melancólico. Uma tosse. Dois passos e um regador. O jardineiro olhara para o céu, enquanto as poucas nuvens que restavam navegavam para uma direção qualquer, como um navio perdido em meio à tempestade. O jardineiro tosse novamente, e agora caminha em direção ao jardim. Ao meu jardim. Aproximo-me da janela e observo um reflexo opaco, ignorando-o, porém, movendo cuidadosamente parte de meu corpo para fora; minha cabeça se inclina até contemplar todas as flores que eu mesma plantei, inebriada pelo aroma doce que da terra provém; talvez chova mais tarde, quando as nuvens retornarem, informa-me meu olfato apurado: o ar está mais úmido do que o normal. Há um pássaro do Leste em uma das pequenas árvores. Um sorriso infantil brota em meus lábios ao reconhecê-lo, meu velho companheiro de longas e dolorosas viagens. Sorrio como criança que fui, retorno ao cômodo como a criança que sou. O jardineiro se encaminha para minhas queridas flores, enquanto eu, ainda usando o pálido vestido que usara na tarde anterior (um presente), sigo com as pontas dos pés a linha que o destino me propôs. O jardineiro conversa com as plantas, explicando-lhes o porquê de arrancar-lhes determinadas folhas (o que é, presumo, um bocado doloroso), e eu, mais uma vez, volto para a cama. 

O Rato.



(Poema preferido da Isadora)



O que leva um poeta a transcrever
Senão a simetria do padecer
Em morte circunscrita à esperança
Disparada com um toque de vingança?
Talvez o doce ronronar de um gato
Na busca voraz por um grandioso rato
Que porventura se ocultara num sapato
E fora cá esquecido e nunca mais usado.
Ali viveu o rato, a roer o couro amarelado
E fez amarelinhas no tecido surrado
Apenas para passar o tempo
O contar das flores que destruíra o vento.